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"Políticas públicas de educação devem pôr a criança no centro da gestão" diz ex-secretário de Viamão

Políticas públicas para a educação precisam estar além das transições de governo, especialmente quando têm resultados comprovados de qualidade, desenvolvimento e alfabetização.

Crianças promovendo o Pacto Viamão pela Alfabetização no desfile cívico


Até o início de 2018, o município de Viamão, no Rio Grande do Sul, seguia a tendência das escolas públicas brasileiras: alto índice de infrequência aliado ao baixo percentual de alfabetização. Apesar do empenho dos professores, dessa forma, a escola conduzia seus alunos para um futuro pouco promissor. A parceria com o Instituto Raiar, estabelecida naquele ano, permitiu que a rede fizesse um amplo diagnóstico para identificar fragilidades e potências, adotando nova rota.


Com modelagem da gestão e a implantação do sistema de ensino estruturado, todos os processos passaram a ser avaliados por indicadores, tornando possível acompanhar o desenvolvimento – e as dificuldades – de cada escola, de cada turma e de cada aluno. A comunidade escolar (pais, professores, diretores etc.) foi convidada a se engajar no processo educativo, que é um bem inegociável da sociedade para a transposição de barreiras sociais.


Logo após seis meses de parceria, ainda em 2018, o município viu sua taxa de alfabetização saltar de 29% para 64% entre as crianças de 1º ano. Ao final de 2019, esse índice subiu para 73%. Além disso, a cidade teve um crescimento histórico no IDEB das séries iniciais, sendo o município acima de 25.000 habitantes com o maior crescimento do indicador no estado, passando de 5,0 para 6,0 pontos. Na entrevista abaixo, o Ex-Secretário da Educação que esteve à frente da pasta de 2017 até março de 2020, Carlos Bennech, conta um pouco sobre os principais desafios e resultados do Pacto Viamão pela Educação.


Ex-secretário de educação municipal de Viamão, em 2018, durante lançamento do Pacto Viamão pela Alfabetização, que colocou a aprendizagem das crianças como principal meta da rede municipal


Como os resultados conquistados por Viamão podem impactar a consolidação de políticas públicas de educação no município?


Os dados de Viamão mostram para todos nós que é possível construir uma educação pública de qualidade, promovendo aprendizagem e desenvolvimento de cada criança.


Tivemos um grande destaque entre os municípios do Estado no Ideb – seria muito legal que Viamão continuasse com isso pois quem ganha é a criança, é a família, é a comunidade. Cabe a cada gestor querer fazer, porque possível nós já sabemos que é.


Infelizmente hoje no Brasil as pessoas tratam a gestão pública como uma escada para crescer individualmente, quando a política deve estar sempre à serviço do povo, das pessoas. O gestor da educação não pode esquecer a importância da aprendizagem para a sociedade. Infelizmente grande parte dos gestores não dão a importância necessária à educação.


O Pacto Viamão pela Educação é fruto de uma parceria com a sociedade civil, como você vê esta relação e de que forma ela teve impacto nos resultados?


Em primeiro lugar, quando vemos a cena da educação no Brasil como um todo, ficamos assustados. Em Viamão não era diferente e então reconhecemos a necessidade de mudança. Isso já estava muito no meu coração e na minha mente, sabia que havia uma maneira mais concreta de levar resultado às famílias e às crianças.


A parceria foi muito importante. O Raiar nos deu um norte para a gestão. Fizemos um diagnóstico nas escolas e na Secretaria e o primeiro impacto foi constatar que precisávamos rever nossas práticas pedagógicas e de gestão. Então o primeiro movimento foi esse, de nos olharmos, ver de que forma estávamos fazendo e de que forma poderíamos mudar.


Vimos que ao final do 3ª ano as crianças não estavam lendo nem fazendo as quatro operações básicas, às vezes chegavam no 5º ano sem essas habilidades. Ver essa realidade em forma de dados escancarou a necessidade de mudança. O Raiar nos disse: “olha, isso realmente tá acontecendo em Viamão”. Mas também nos mostrou os possíveis caminhos para mudar.


E quais foram esses caminhos para a mudança?


Primeiro começamos a promover reuniões com a equipe da Secretaria, equipes diretivas, professores e com as famílias. Nos reunimos para dizer que a situação não era agradável, era muito prejudicial, mas que tínhamos soluções – e a solução em resumo é colocar a criança no centro de tudo. A partir desse encontro com o Raiar a Secretaria começou a fazer todas as ações de gestão focadas na aprendizagem da criança: todos os esforços foram destinados para que as crianças pudessem ter garantido o seu direito de aprender.


Quando falávamos que o foco é a criança as pessoas ficavam “hmmm, como assim?” Tem um estranhamento, porque em tese tudo já é feito para a criança, todo o trabalho do professor é pela criança, mas muitas vezes ele não consegue ajudar.


Com o financiamento do Instituto Raiar, começamos a usar a metodologia do ensino estruturado do Instituto Alfa e Beto, que já tinha excelentes evidências de resultados em outros municípios, como Sobral, no Ceará – e isso fez toda a diferença.


Também precisamos repensar a questão da presença da criança na sala de aula. Tínhamos algumas escolas com altas taxas de infrequência – e os motivos eram os mais variados: porque chove, faz frio, o pai não pode levar. Aí fizemos uma campanha para conscientizar a comunidade sobre a importância de a criança estar na escola. Terminamos 2019 com quase 90% de assiduidade.


Tivemos que promover o comprometimento da comunidade, fazer a família entender que o lugar da criança é na escola e que, se ela não estiver na escola, está perdendo a chance de crescer, de se desenvolver e de socializar.


Em resumo, estávamos na zona de conforto e fomos em busca da criança, da família e do professor. Nossos professores eram um terreno fértil, estavam querendo transformação – e isso não é só em Viamão, é no Brasil inteiro. Eu sou professor e nós, professores, queremos mudar, mas não temos as ferramentas, muitas vezes.


O Raiar deu todo o suporte, qualificamos a gestão e passamos a gerir os processos por indicadores. Olhando para os números, sabíamos o que precisávamos melhorar. É uma coisa que dá trabalho, mas também dá muita satisfação.


Quais os principais desafios enfrentados durante essa trajetória – e quais foram soluções criadas?


O principal desafio foi fazer os professores e as famílias se apaixonarem por aquilo que estávamos propondo, dar senso de propósito a eles, pois nosso objetivo final era salvar vidas. Nossa gestão entendeu que educar é salvar vidas.


O segundo desafio foi trabalhar a questão de que as pessoas ficam presas às suas crenças e não aceitam o novo, quando hoje o que se verifica é que na medicina, por exemplo, tem procedimentos, tem melhorias; e na educação também, se não está dando resultado, podemos e devemos tentar de outra forma, abrir nossa mente, nosso coração e nossa alma. A metodologia usada dá a sustentação técnica para o processo, mas os professores continuam lá sendo protagonistas da transformação.


No primeiro ano antes de iniciar o ensino estruturado nosso índice de alfabetização era de 29%. Após 90 dias fizemos uma avaliação e verificamos que tínhamos 64% das crianças lendo. Aí você verifica que esses resultados são significativos e que é possível um mundo diferente.


Qual é o impacto da melhoria dos indicadores de educação para a cidade de Viamão?


A transformação social, política e econômica de um país passa pela educação. Quando uma criança lê na idade adequada, chega no 5º ano dominando a matemática, chega ao 9º ano lendo e interpretando, esse cidadão, esse jovem será outra pessoa, porque o estudo causa empoderamento, capacidade de refletir e de emitir opinião baseada no conhecimento – e o conhecimento liberta. Quando uma cidade inteira faz isso então temos o desenvolvimento social. Essas crianças daqui há duas ou três décadas podem ser responsáveis pela gestão do município, por exemplo.


O que o município de Viamão precisa fazer para continuar avançando?


Colocar a criança em primeiro lugar – toda a política já está estruturada: ter metodologia adequada de ensino, equipe capacitada para trabalhar com evidências, ter como objetivo que a criança saiba ler e escrever ao final do 1º ano, o reconhecimento da educação infantil como algo de fundamental importância para a trajetória, boas escolas, isso tudo já temos.

Viamão já deu certo! Para seguir avançando é preciso ir além do pensamento que ah, isso é da antiga gestão”, e sim pensar no propósito maior, que é a criança. Já está tudo pronto, é só continuar e avançar nesse caminho.

Eu considero importante dizer que nós professores seremos cada vem mais valorizados, à medida que o impacto do nosso trabalho na vida das crianças ficar mais evidente. Os indicadores de aprendizagem servem para mostrar isso. Todos dizem que a educação é o caminho, sabemos que mais de 80% dos alunos brasileiros estão na escola pública. A implementação de políticas púbicas tem que ser levada mais a sério, tem que haver gestão comprometida com resultados de aprendizagem. Viamão fez diferente porque nos foi possível e ao fazer vimos que podemos transformar a realidade da escola pública.


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